Contrato de venda de safra futura. Impossibilidade de revisão do preço no momento da entrega.

Contrato de venda de safra futura. Impossibilidade de revisão do preço no momento da entrega.

Prática bastante comum no ramo agrícola é a pactuação de contrato de compra e venda de safra futura mediante a pré-fixação de preço entre agricultor e cerealista.

Na prática, o agricultor formaliza contrato junto a uma cerealista, prometendo entregar determinada quantia de grãos, enquanto a cerealista promete receber a produção e pagar o valor acordado no contrato.

A prática traz vários benefícios ao agricultor, especialmente porque fornece segurança ante as variáveis nos preços, garantindo ao produtor o preço pré-fixado em contrato, independentemente de o preço da saca estar menor na data da safra.

Ocorreu que, neste ano de 2021, a venda antecipada de safra futura, mediante entabulação de contrato junto a cerealista, tem feito surgir vários questionamentos. Muitos agricultores "fecharam" com cerealistas o preço de R$ 85/90 reais a saca de soja, mas atualmente o preço está em torno de R$ 152,00 na região oeste do Paraná. Nitidamente, no momento da entrega da soja o preço da saca está muitíssimo superior àquele previsto em contrato, assinado em meses anteriores.

Neste contexto, o agricultor se questiona: posso me recusar a entregar a produção? Posso pleitear junto à cerealista o reajuste do preço? Tenho o direito de revisar o contrato junto ao Poder Judiciário.

Em resposta, salienta-se que a revisão contratual, com o fim de reajustar para cima o preço anteriormente ajustado em contrato, embora seja possível, é medida excepcional, válida apenas para situações muito específicas.

Obviamente que o intuito deste informativo não é adentrar em questões técnicas e por demais jurídicas que dificultem a compreensão do leitor. Entretanto, faz-se necessário mencionar que o Código Civil Brasileiro, em seu art. 478, dispõe que a revisão de contratos é possível quando ocorrerem situações "extraordinárias" e "imprevisíveis".

Dito de outro modo, o agricultor somente teria o direito de buscar a revisão do contrato, se entre a data da assinatura do contrato e a data da entrega da safra, tenha ocorrido situação que não pudesse ser por ele imaginadas ou previstas na data da assinatura do contrato.

Não há dúvida de que a atividade agrícola, por sua natureza, já pressupõe determinadas oscilações, seja no preço de insumos, seja nas condições climáticas que podem aumentar ou diminuir a produtividade etc.

Assim, a diferença exponencial do preço da saca de soja entre a data da assinatura do contrato e a data da entrega da produção, não é fato imprevisível, tampouco extraordinário a ponto de gerar ao agricultor o direito de pleitear junto à cerealista ou à justiça o aumento do valor originariamente acordado no contrato.

Dito de outro modo, a flutuação/variação de preços é inerente ao negócio agrário, algo natural e absolutamente previsível. Os preços, indubitavelmente, variam.

Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis ao agricultor, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto, trazendo segurança ao produtor. Em realidade, não se pode falar em prejuízo para o vendedor, mas tão somente em percepção de um lucro aquém/menor daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro.

A tempo, não pode passar despercebido o fato de que quando é firmado um contrato para entrega futura com o produtor, do outro lado, está a cerealista, que também firma contrato de venda dos mesmos grãos com o mercado internacional, cooperativa ou outra cerealista de maior porte.

O raciocínio aqui desenvolvido, também é aplicável para o caso inverso, em que o preço da saca no momento da assinatura do contrato é maior daquele da data do recebimento da produção pela cerealista. Ela também está exposta à oscilação do preço e, por consequência, não possui o direito de buscar a revisão do contrato para pagar menos, estando obrigada a pagar ao agricultor o preço previsto em contrato, mesmo que o preço do contrato esteja muito acima daquele praticado no momento da safra. Aqui, quem ganha, é o produtor rural.

Tendo por base os argumentos aqui trazidos e outros de igual relevância, o Poder Judiciário tem decido reiteradamente que o aumento significativo dos preços entre a data da assinatura do contrato e a entrega da safra, por si só, não é motivo que justifique a revisão do contrato já assinado entre as partes contratantes.

Com base em tudo isso, fixa-se a premissa de que o produtor rural, antes de vender antecipadamente a safra futura, deve analisar com cautela todas as condições atuais de mercado, assim como se antenar das possíveis condições futuras, para que, assim, consiga aumentar seus lucros.

Marcos Filho

Marcos Filho

Marcos Filho é advogado,  empresário no setor de Comércio Exterior e atua no Mercado Financeiro. Possui especializações em Direito Empresarial e Tributário pela FGV e na advocacia atua nas mesmas áreas, com enfoque em planejamentos sucessórios e tributários junto a empresas e famílias. Escritórios em Cascavel-Pr e Guaraniaçu-Pr.